Evocação de vivências análogas às de todos nós

Antesmente eu tentara coisificar as pessoas e humanizar as coisas. Porém humanizar o tempo! Uma parte do tempo? Era dose. Entretanto eu tentei. Pintei sem lápis a Manhã de pernas abertas para o Sol. (...) eu aprendera que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir. Então seria o caso de ouvir a frase pra se enxergar a Manhã de pernas abertas?

quarta-feira, 30 de março de 2011

Percurso


O local: jardim da Escola de Teatro da UFBA. Partindo para os primeiros ensaios, o desafio era adaptar minha deficiente visão míope e astigmática a notar uma única formiga de poucos milímetros de cumprimento sob um Sol forte de início da tarde, um inseto que aparentemente mostrava-se desorientado percorrendo rapidamente um grande trajeto e sempre em círculos ao redor de uma pequena fruta caída da árvore e já em estado avançado de decomposição. Após uns 2 ou 3 minutos na atividade, a formiga diminuiu sua energia, mudou a ação e passou a diligenciar uma pequena folha chegando próximo a outras formigas que percorriam em fila indiana em sentido a um estreito buraco no chão, alguns minutos se passaram e o objeto em estudo nada fez além de acomodar a pequena folha ao seu lado e por lá ficar ao redor como se estivesse pastorando.

"No olho do tamanduá funciona um aparelho de entontecer formiga".
Joaquina era pretinha e de estatura mediana. Ela permaneceu parada por alguns minutos, depois caminhou e parou com as antenas levantadas, parecia procurar algo. Andou novamente, fez movimentos circulares e parou.
Uma observação formigante/Situação problema: astigmatismo e óculos vencidos - Encontrei Catharina sobre uma folha verdinha com mais duas colegas. De início pareciam tentar carregar a folha, que ficava grande demais, até para as três; depois pude perceber que elas tentavam picotar a folha. Com um pequeno pedaço nas costas, Catharina seguiu seu caminho, aparentando estar um pouco confusa...
... sempre o vento vinha em sua direção, ela caia e derrubava a folha, mas guerreira como era levantava-se, pegava a folha e continuava a caminhar. Muitas passavam por ela, mas ela não dava a mínima atenção. Caia, levantava e seguia o seu camimho, até que encontrou uma fila de formigas que iam na mesma direção. Entrou na fila e foi adiante em direção a um formigueiro.
A folha amarela parece grande e pesada. Ela anda desajeitada como se fosse tombar a qualquer momento. Suas pernas desesperadas tentam tocar o chão. Arrasta a folha. O terreno arenoso dificulta a caminhada. A formiga 1 fica pendurada na folha. Levanta, se engancha numa vareta. Tomba para frente. Troco de observador e observado. Às vezes parece um João Teimoso, mas é corajoso e pensa com os olhos e o estômago. Anda em zig-zag, dois passos para frente, três passos para trás. Ela é uma formiga média com objetos pequenos e "dentes" fortes. Uma formiga maior a ultrapassa a 3 cm por segundo de diferença. Por que ela não segue o exemplo de suas irmãs e carrega "pacotes" menores de folha?

A "minha formiga" parava sempre que encontrava outra. E nós, paramos?

 A sensação que me dava era a de que conversavam, de verdade. Ela me parecia bastante tagarela. Ela era forte, carregava uma folha grande. Ela subiu o banco do "Feijão" e depois ficou perambulando, seguiu para a mochila de Thiago, desceu o banco, mas pelo outro lado.

Elas conseguem suportar 100 vezes o seu próprio peso...

No feijão: Ela andava mais devagar que a primeira, acredito que seja por conta do peso nas costas. Ela se deparou com uma mochila, fez a volta e novamente se deparou com a mochila - engraçado foi ver ela repetir esse percurso por mais de três vezes.

FORMIGA NÃO TEM DOR NAS COSTAS

Selma, a formiga observada por este que vos fala, tinha o estranho hábito de querer se comunicar com outros seres. Principalmente aqueles estranhos que, grandes como imensas hastes de girassóis, passavam por seu formigueiro a todo instante, por vezes destruindo pequenas reservas de gravetos que por horas foram arrumadas pelas incansáveis criaturas. Não há de ser preciso ser grande filósofo ou um homem de grande prestígio acadêmico para perceber que Selma sofria com o descaso das suas semelhantes. Ressentia-se por não poder se comunicar com aqueles seres que tanto admirava. E nos seus devaneios de jovem saúva, perdia-se a imaginar o que faria caso um dia um humano parasse para ouvir uma das suas conversas.


Clarinha, pequena e magrinha. Havia muitas outras iguais. Quando eu a encontrei ela estava em ação de trabalho, carregava, não identifiquei onde, se na cabeça ou nas costas, um pequeno pedaço de talo de uma folha maior que ela. Ela destacava-se aos meus olhos por possuir uma peculiaridade que a diferenciava do bando, era muito rápida e atrapalhada, enquanto as outras se mantinham em um único sentido e aparentemente com um objetivo. (...) Nesse itinerário depara-se com o inesperado, formigas vilãs a encontram, são maiores que ela e arrancam seu precioso talinho... Não se deixa abalar com a perda, mas agora não mais rápida e meio desorientada ela roda e se comunica, passa por cima de outras, vira uma louca, roda e não se cansa. Eu é que canso de olhá-la.

Opa, opa! Chegaram mais duas formiguinhas.
Fiquei intrigada, não sei se elas vieram ajudar a carregar ou se vieram disputar pelo gigantesco pedaço de folha, que agora me parece um tanto apetitoso.
Tudo deve acabar se tornando um grande empecilho para os seres minúsculos, não é?!
Elas agora encontram problemas com o vento. A folha vira uma espécie de asa-delta fazendo as três formiguinhas praticamente planarem no ar.
Estou começando a desconfiar que as outras formiguinhas não fossem tão altruístas assim. Duas delas desistiram, e só restou uma a carregar a folha novamente.

                                           formiga(k).percurso(n+1) = formiga(k).percurso(1)
Andou em círculos por alguns segundos desequilibrada e perdida, mas, logo encontrou seu rumo, e foi subindo, subindo, logo me lembrei da música ‘’O Bêbado e o Equilibrista’’(...) se deparou com um companheira muito esperta e o que parecia uma ajuda fraternal era na verdade uma tentativa de roubar o alimento da outra, da minha formiguinha, e se perdurou nisso, nesse jogo de “puxa aqui puxa ali”, coitada! Identifiquei-me muito com sua cor, ruiva como eu...
Zulu pára diante de uma grande pedra durante alguns segundos. Tenta subir em vão.
 Faz a volta e anda em círculos, como se estivesse perdida. Encontra 5 formigas que andam enfileiradas. As cumprimenta uma a uma, sendo que com a última o cumprimento é mais demorado. Serão elas amantes?

 Manter a formiga, se possível, "viva"!

http://www.youtube.com/watch?v=Nq0GP4yQup4

Pedacinhos de manga, formiguinhas, pingos de chuva, caminho esburacado. Segui uma só, elas passavam umas pelas outras. Faziam o seu caminho demarcado pelo cheiro ou pegadas. Uma delas pegou um pedacinho de manga e rapidamente seguiu o seu trajeto até que uma monstruosa pisou na pobre coitada, acabando assim, mais cedo, com o seu lindo caminho.

                                                                     A VIAGEM

Parafraseando Luiz Gonzaga, “tem formiga que a única coisa que consegue ter durante a vida é, esperança”. Foi com esperança de chegar algum lugar que encontrei minha formiga já carregando uma folha desproporcional a seu tamanho...

NOVIDADES:    

Pesquisadores analisaram um fenômeno único na natureza - um inseto ensinando outro.
O exemplo que encontraram de relacionamento professor-aluno é inédito no reino animal, descontando-se o ser humano.

Eles estudaram o modo como uma formiga "professora" ensinava à "aluna" o caminho até uma fonte de comida. O caminho era demorado, e envolvia uma relação entre as duas - a "aluna" tocava a "professora" nas pernas ou abdômen com sua antena, e ela modificava seu comportamento em seguida.

Dar aula custa caro para a formiga professora. Ela poderia chegar quatro vezes mais rápido à fonte de comida se não tivesse de ensinar o caminho.